Texto Inicial do Projeto de Lei
PROJETO DE LEI Nº 1641/2022
EMENTA:
CRIA O PROGRAMA MUNICIPAL DE PRÁTICAS RESTAURATIVAS E MEDIAÇÃO TRANSFORMATIVA NAS ESCOLAS NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. |
Autor(es): VEREADORA THAIS FERREIRA
A CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
D E C R E T A :
Art. 1º Fica criado o Programa Municipal de Práticas Restaurativas e Mediação Transformativa nas Escolas no âmbito do Município.
§ 1º O programa consiste na implantação das práticas de resolução consensual entre as partes envolvidas em conflitos nas escolas municipais, que garantam a observância dos direitos, promovam as igualdades e eduquem para relações pacíficas.
§ 2º Para efeitos desta Lei, considera-se justiça restaurativa o conjunto de práticas e atos conduzidos em âmbito pedagógico, por meio de um movimento conciliatório entre as partes envolvidas, que privilegia o diálogo entre elas e os demais membros da comunidade escolar, por meio da participação coletiva e ativa na resolução dos conflitos, na reparação dos danos causados e na responsabilização dos envolvidos.
Art. 2º São práticas da justiça restaurativa, entre outras:
I - as conferências familiares, no modelo de narrativa circular;
II - as mediações transformativas;
III - as mediações vítima-ofensor;
IV - as conferências comunitárias;
V - os círculos de construção de paz; e
VI - os círculos restaurativos.
§ 1° Para efeitos desta Lei, considera-se mediação transformativa o conjunto de práticas e atos conduzidos com o objetivo de mediar a resolução de disputas e promover acordos que favoreçam mutuamente as partes envolvidas no conflito, provocando a modificação da relação entre as partes e transformando o padrão relacional competitivo em colaborativo, deslocando o objetivo principal da obtenção de acordo para a transformação da relação entre as partes.
§ 2° Considera-se círculo de construção da paz, descrito no inciso V deste artigo, o procedimento baseado no favorecimento de um espaço de diálogo que permite a identificação e a compreensão das causas e necessidades subjacentes ao conflito e a busca de sua transformação em uma atmosfera de segurança e respeito.
§ 3° Considera-se círculo restaurativo, descrito no inciso VI deste artigo, o procedimento que prioriza o diálogo entre os envolvidos e terceiros atingidos, para que construam de forma conjunta e voluntária soluções mais adequadas para a resolução dos conflitos.
Art. 3° O Poder Executivo criará o Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa e as centrais de paz.
§ 1º O Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa será o órgão gestor que coordenará e fomentará as práticas restaurativas no âmbito educacional e escolar do município.
§ 2º As centrais de paz serão instaladas nas unidades escolares destinadas a atender as crianças, os adolescentes, seu entorno familiar e a comunidade escolar recepcionando os princípios e metodologia da justiça restaurativa e mediação transformativa, visando ao atendimento preventivo das situações de atos indisciplinares e atos infracionais, e restauração de situações de conflitos já instalados, litígios e atos infracionais, de menor potencial ofensivo, em situações cuja menor relevância desaconselha a judicialização.
Art. 4º São considerados agentes e personagens da mediação transformativa, entre outros, os facilitadores e os voluntários.
§ 1° É dada preferência aos facilitadores que tenham sido capacitados em cursos de justiça restaurativa via escolas judiciais, escolas da Magistratura ou via as parcerias definidas pelo Poder Judiciário, conforme Resolução nº 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça, ou outra que melhor atender a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.
§ 2° Considera-se facilitadores as pessoas capacitadas para proporcionar e garantir a facilitação do processo circular, respeitando seus objetivos e aspectos metodológicos.
§ 3° Considera-se voluntários as pessoas que estarão dedicadas a atuar voluntariamente na pacificação de conflitos nas escolas.
Art. 5º Competem ao Programa Municipal de Práticas Restaurativas e Mediação Transformativa os seguintes princípios e objetivos:
I - dar encaminhamento aos conflitos na escola sob a perspectiva da dignidade e garantia de direitos;
II - preservar de maneira saudável, não discriminatória e pacífica todos os vínculos da comunidade escolar;
III - chegar a resultados sobre todos os conflitos nas escolas, ainda que seja o da impossibilidade de um acordo, já sendo considerado êxito se uma nova visão das situações for alcançada;
IV - promover a integração interinstitucional e transversalidade com relação ao conjunto das políticas públicas aplicáveis;
V - promover o foco na solução autocompositiva e qualificação das relações sociais, dentro e fora das salas, no tratamento de conflitos;
VI - a abordagem metodológica dialogal, empática, não persecutória;
VII - o uso da responsabilização e não da culpabilização na reparação de danos;
VIII - a oferta de espaço seguro e protegido que permita o enfrentamento e a resolução do conflito;
IX – a participação direta dos envolvidos, e a articulação da rede de proteção dos direitos das criança e ao adolescente, quando se fizer necessário;
X - o engajamento voluntário, adesão e autorresponsabilização;
XI - a deliberação por consenso;
XII - o empoderamento das partes, fortalecimento dos vínculos, construção da coesão do tecido social e do senso de pertencimento; e
XIII - a interrupção das espirais conflitivas como forma de prevenir e reverter as cadeias de propagação da violência dentro e fora da escola.
Art. 6º O Programa de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa será executado, de forma cooperativa, pelos seguintes órgãos e instâncias:
I - Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa; e
II - centrais de paz.
Art. 7º O Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa será dirigido pela Secretaria Municipal de Educação, onde cumprirá a coordenação administrativa do programa, sua organização técnica interdisciplinar e o acompanhamento das práticas restaurativas desenvolvidas nas centrais de paz.
Parágrafo único. O núcleo deve ter um espaço próprio, em ambiente adequado e seguro, contendo um recinto para as atividades administrativas e um para as reuniões, além de salas equipadas com equipamentos de informática, acesso a rede, materiais de expediente e consumo, mobiliário e ventilação e climatização adequada.
Art. 8º Compete ao Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa, dentre outras atribuições:
I - fomentar o uso da justiça restaurativa e da mediação transformativa nas escolas do sistema público de ensino;
II - formação e seleção de equipe especializada, incluindo técnicos, professores, alunos e pessoas da comunidade, para atuarem como facilitadores;
III - garantir que a intervenção dos facilitadores seja realizada com total adequação e qualidade;
IV - capacitar sistematicamente os facilitadores, promovendo trocas de experiências e valores da justiça restaurativa e da mediação transformativa;
V - criar e manter um cadastro dos facilitadores;
VI - analisar os problemas e dificuldades na execução das metodologias restaurativa e transformativa, propondo soluções;
VII - regulamentar e monitorar o processo de inclusão e exclusão dos facilitadores;
VIII - promover a integração interinstitucional e transversal com as políticas públicas;
IX - sistematizar os fundamentos teóricos e práticos da justiça restaurativa e da mediação transformativa, de modo a tornar mais eficaz a utilização desse meio de autocomposição de resolução de conflitos;
X - intensificar a capacitação de facilitadores da comunidade escolar para que sejam multiplicadores e executores da metodologia da justiça restaurativa e da mediação transformativa, fazendo com que as escolas a pratiquem; e
XI - orientar as escolas para fazerem as adequações da implantação da justiça restaurativa em seus regimentos escolares e Projeto Político Pedagógico – PPP.
Art. 9º O Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa será estruturado com a participação de uma coordenadoria administrativa, uma coordenadoria técnica, as coordenadorias das centrais de paz, outros profissionais da rede de ensino e voluntários, podendo ser composto por profissionais de diferentes áreas como a assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, professores de várias áreas do conhecimento, advogados, estudantes, pessoas da comunidade, dentre outros, dotados de cursos de formação continuada na área de justiça restaurativa e mediação transformativa.
Art. 10. A coordenadoria administrativa do Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa será composta por profissional que coordena as rotinas administrativas, o planejamento estratégico e a gestão dos recursos organizacionais, sejam estes materiais, patrimoniais, financeiros, tecnológicos ou humanos, além de assessorar os projetos e as centrais de paz.
Parágrafo único. A coordenadoria administrativa do Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa deverá ser ocupada por pessoa que possua graduação em nível superior, experiência em coordenação administrativa e no mínimo conhecimentos básicos na área de justiça restaurativa e mediação transformativa.
Art. 11. A coordenadoria técnica será composta por profissional capaz de aplicar pedagogicamente e fazer funcionar, na forma e no conteúdo, cada aspecto da justiça restaurativa e mediação transformativa, de maneira integrada com as coordenadorias descritas no art. 9°, com uniformização de diretrizes e princípios.
Parágrafo único. A coordenadoria técnica deverá ser ocupada por pessoa que possua graduação em nível superior e prática no uso das metodologias da justiça restaurativa e da mediação transformativa.
Art. 12. À coordenadoria técnica do Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa compete, dentre outras atribuições:
I - coordenar os processos de capacitação inicial e continuada da equipe de facilitadores;
II - fomentar reuniões sistemáticas com os facilitadores de todas as escolas para partilha de saberes;
III - elaborar relatórios, documentos e estatísticas para respaldar as ações;
IV - auxiliar o empoderamento do indivíduo numa perspectiva não constrangedora ou punitiva, mas sim na de elaboração e ressignificação;
V - apoiar o público atendido e seus familiares durante os círculos de justiça restaurativa e mediação transformativa, buscando através do diálogo facilitar a reflexão acerca de sua inserção no contexto social mais amplo;
VI - promover reuniões da equipe técnica compartilhando saberes;
VII - realizar visitas domiciliares, quando necessário, para obtenção de informações que facilitem a inserção do beneficiário e seus familiares, nas políticas públicas cabíveis ou encaminhamento a rede de proteção da criança e do adolescente;
VIII - promover rotinas de encontros para discussão e supervisão dos círculos realizados;
IX - organizar o processo seletivo dos facilitadores das escolas e do próprio Núcleo;
X - promover cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento para os facilitadores do Núcleo e das escolas, e centrais de paz;
XI - elaborar os instrumentos de trabalho, como ficha de cadastro inicial dos participantes, ficha de acompanhamento, termo de encontro e acordo, termo de acordo, ofício para encaminhamento da rede e ficha de controle do pré e pós–círculo;
XII - articular com a rede de proteção da criança e do adolescente; e
XIII - arquivar outros documentos necessários para acompanhamento e controle dos processos.
Art. 13. Compete aos facilitadores, dentre outras atribuições:
I - facilitar os trabalhos de escuta e diálogo entre os envolvidos, por meio do uso de técnicas e métodos consensuais;
II - registrar, se for pactuado pelos participantes, os acordos promovidos nos círculos restaurativos;
III - propor plano de ação com orientações, encaminhamentos e sugestões;
IV - abrir e conduzir a sessão restaurativa, de forma a propiciar um espaço próprio e qualificado em que o conflito possa ser compreendido em toda sua amplitude, utilizando-se, para tanto, dos princípios e fundamentos teóricos da comunicação não violenta, própria da justiça restaurativa e mediação transformativa; e
V - cumprir o Código de Ética dos Facilitadores.
Art. 14. As centrais de paz serão compostas por uma coordenação técnica interdisciplinar definida pedagógica por unidade escolar, devendo contar obrigatoriamente com a participação do conselho escolar.
Art. 15. Em cada escola deve ser implantada uma central de paz, sujeita aos critérios e condições definidas pelo Núcleo de Justiça Restaurativa e Mediação Transformativa.
Art. 16. O Município poderá firmar convênios para acompanhamento e desenvolvimento do Programa Municipal de Práticas Restaurativas e Mediação Transformativa de acordo com a conveniência e oportunidade, atendidas as premissas da Lei de Responsabilidade Fiscal e da legislação aplicável à espécie.
Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA