Os efeitos da suplementação de creatina e de proteínas sobre a função renal são debatidos intensamente na literatura científica. Enquanto alguns pesquisadores posicionam-se cautelosamente quanto ao uso dessa substância, uma vez que estudos de caso têm sugerido efeitos deletérios à função renal, há autores que se debruçam sobre estudos longitudinais, que embora possuam sérias limitações metodológicas, indicam a segurança da suplementação de creatina. Diante da incerteza em torno do tema, a mídia e os órgãos reguladores de cada país têm tomado suas próprias posições acerca dos riscos desse suplemento.
As posições da mídia e das agências reguladoras. Exatamente três dias após os nefrologistas britânicos Pritchard e Kalra terem publicado um estudo de caso no periódico The Lancet, sugerindo haver "fortes evidências de que a creatina era responsável por deterioração na função renal" (esse trabalho será discutido no próximo tópico), a revista de esporte francesa L’Equipe alarmou seus leitores acerca do perigo da suplementação de cretina em quaisquer condições. Segundo Poortmans e Francaux, essa notícia "bombástica" foi rapidamente repercutida por toda a Europa. Nesse período, foram atribuídos diversos efeitos deletérios à creatina, tais como disfunção renal, alterações
hepáticas e até mesmo morte.
Importantes entidades como a US Food and Drog Administration (FDA), a Association of Professional Team Physicians(11) e o American College of Sports Medicine (ACSM) atestam a segurança da creatina em curto prazo, apesar de ressaltarem que mais estudos devam investigar essa questão em longo prazo. O Comitê Olímpico Internacional (COI) liberou o consumo dessa substância, alegando que a mesma não era considerada droga, mas apenas suplemento alimentar.
Em contrapartida, alguns países, como a França, tomaram a frente da ciência e proibiram a venda desse suplemento.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio da portaria nº 222 (24 de março de 1998), que discorre sobre as normas técnicas referentes a alimentos para praticantes de atividade física, surpreendentemente, não contemplou a creatina.
A essa posição, tecemos duas críticas. A primeira se refere a sua natureza simplista e generalista em se taxar essa substância como "saudável ou não". Os suplementos hiperprotéicos, cuja comercialização é permitida no Brasil, por exemplo, não possuem riscos aparentes a sujeitos saudáveis, mas não aqueles que apresentem qualquer distúrbio renal previamente desconhecido, ou seja, a doença renal, muitas vezes é silenciosa.
CUIDADOS ESPECIAIS AOS DOENTES RENAIS
A ingestão extra de proteína em insuficientes renais crônicos poderia ser prejudicial. Da mesma forma, é importante que se estabeleça a segurança da creatina nas mais diversas situações fisiopatológicas, ressaltando aquelas em que o consumo é livre de riscos. Outro problema dessa decisão consiste na capacidade de formar opinião, entre os leigos e especialistas, que ela carrega consigo.
Não raras vezes essa proibição é vista como status quo, ou seja, uma prova irrefutável do potencial risco da creatina à saúde. Dessa maneira, a evidência científica assume lugar secundário frente às alegações da mídia, bem como das imposições das agências reguladoras, numa clara inversão de papéis.
É comum observar inúmeros especialistas da área de saúde condenando, veementemente, o consumo de creatina, sobretudo com a alegação de que esse suplemento é prejudicial à função renal. A dedução é simples e até mesmo lógica: a creatina é convertida espontaneamente a creatinina, a qual é excretada pelos rins. O excesso de creatina obtida pela suplementação geraria uma sobrecarga renal ao ser excretada.
ANVISA – Agencia Nacional de Vigilância Sanitária
http://portal.anvisa.gov.br
Anvisa regulamenta uso de alimentos para atletas
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em April 26 de 2010, novas regras para alimentos destinados a atletas. Entre as principais novidades, está a liberação do uso da creatina e da cafeína nesses alimentos. Para alguns atletas, o uso correto dessas duas substâncias auxilia no desempenho durante exercícios repetitivos de alta intensidade e curta duração e na resistência aeróbica em exercícios físicos de longa duração, respectivamente.
Entretanto, a diretora da Agência, Maria Cecília Brito, ressalta a importância desses alimentos só serem consumidos por atletas. “A evolução do conhecimento científico sobre nutrição indica que alimentos para atletas só devem ser consumidos pela parcela da população que pratica exercícios físicos de alta intensidade com o objetivo de participação em esporte com esforço muscular intenso”, afirma Maria Cecília.
Para as pessoas que praticam atividade física com objetivo de promoção da saúde, recreação ou estética fica o alerta. “Essa parcela da população não deve consumir esse tipo de alimento, sem a orientação de um profissional competente. Uma dieta balanceada e diversificada é suficiente e recomendável para atender as necessidades nutricionais destas pessoas”, explica a diretora da Anvisa.
Além disso, a Anvisa estabeleceu parâmetros para a comercialização de alimentos para atletas na forma de pack. Isso quer dizer que, com a nova regulamentação, diferentes alimentos poderão ser associados em porções individuais e envasados em uma mesma embalagem. Entretanto, cada produto que compõe o pack deverá ser registrado individualmente na Anvisa.
Os aminoácidos de cadeia ramificada, conhecidos como BCAAs, não foram incluídos na categoria de alimentos para atletas. Apesar de não representarem risco para a saúde, esses alimentos não cumprem o efeito prometido: fornecimento de energia. As empresas terão 18 meses para se adaptar a nova regulamentação.
Rotulagem
Em relação à rotulagem destes alimentos, as empresas deverão colocar a designação do produto em tamanhos de fonte no mínimo 1/3 do tamanho da marca. Além disso, todos os alimentos enquadrados nesta categoria deverão apresentar, em destaque e negrito, a seguinte frase de advertência: “Este produto não substitui uma alimentação equilibrada e seu consumo deve ser orientado por nutricionista ou médico”.
Na rotulagem dos alimentos para atletas classificados como repositores hidroeletrolíticos poderão constar as expressões “isotônico” e “hipotônico”, desde que sejam obedecidos critérios específicos na composição do produto. Já as frases: “O consumo de creatina acima de 3g ao dia pode ser prejudicial à saúde” e “Este produto não deve ser consumido por crianças, gestantes, idosos e portadores de enfermidades” deverão constar nos suplementos de creatina.
Danilo Molina – Imprensa/Anvisa
ANVISA - RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC Nº. 26/abril/2010
Art. 23. Adicionalmente ao disposto no art. 21, nos rótulos de suplementos de creatina para atletas devem constar as seguintes advertências em destaque e negrito:
I - “O consumo de creatina acima de 3g ao dia pode ser prejudicial à saúde”;
II - “Este produto não deve ser consumido por crianças, gestantes, idosos e portadores de enfermidades”.
Parágrafo único. A quantidade de creatina na porção deve ser declarada no rótulo do produto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARTIGO DE REVISÃO
· A suplementação de creatina prejudica a função renal?
Does creatine supplementation harm renal function?
Bruno GualanoI*; Carlos UgrinowitschI; Antonio Carlos SeguroII; Antonio Herbert Lancha JuniorI
I Escola de Educação Física e Esporte – Universidade de São Paulo
II Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo
Revista Brasileira de Medicina Esporte vol.14 no.1 Niterói Jan./Feb. 2008
doi: 10.1590/S1517-86922008000100013
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