Não obstante o nobre intuito do ilustre Vereador autor do PL, há evidente vício de inconstitucionalidade formal e de injuridicidade. Isso porque a proposição em pauta usurpa a competência legislativa privativa do Executivo para deflagar o processo legislativo sobre matérias referentes à Administração Pública.
Com efeito, a regulamentação para a construção de depósitos para armazenamento de mercadorias dos trabalhadores do comércio ambulante é matéria referente à Administração Pública, eis que se trata de planejamento e gestão administrativa de estrita competência do Chefe do Poder Executivo, a quem incumbe dispor, com exclusividade, sobre os planos e programas municipais, regra constante na alínea “e”, inciso II, do art. 71 c/c inciso III, do art. 44 da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro.
Como leciona Hely Lopes Meirelles, “A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa […]. Qualquer atividade, da Prefeitura ou da Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante” (In: Direito municipal brasileiro. 15 ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 708). Acerca do tema:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL - REGULAMENTAÇÃO DA COMERCIALIZAÇÃO DO SANDUÍCHE - ATIVIDADE COMERCIAL DESEMPENHADA POR PARTICULAR - ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA - FISCALIZAÇÃO - CÓDIGO DE POSTURAS MUNICIPAL - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - VÍCIO DE INICIATIVA - COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - LIMINAR INDEFERIDA. 1) Muito embora a Lei Orgânica Municipal de Guarapari preveja no inciso III do art. 46, que compete à Câmara Municipal a iniciativa legislativa sobre as matérias do Código de Posturas municipais, havendo a Câmara procurado normatizar sobre matéria de comércio local, o que seria admitido sob o ponto de vista material, a Lei impugnada impõe à Administração Direta obrigações referentes à fiscalização que são de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal. 2) A Lei Municipal combatida invade o espaço de competência do Chefe do Poder Executivo, pois a norma impugnada indubitavelmente constitui um ato concreto de administração, eis que dispõe sobre permissão de uso do espaço público, curso básico de higienização, aplicação de multa, ineficácia de eventuais multas aplicadas pelo Poder Executivo, o que invade a esfera de gestão administrativa. 3) Os incisos III e IV, do parágrafo único, do art. 63 da Constituição do Estado do Espirito Santo delimitam a competência do Chefe do Poder Executivo para legislar acerca da forma de organização administrativa e dos servidores, incluindo os que realizam a fiscalização, objeto este da Lei nº 3.631, de 09 de outubro de 2013, e que em observância ao princípio da simetria, ou paralelismo, deve ser de aplicação cogente no Âmbito municipal. 4) Ação direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar inconstitucional a Lei n.º 3.631, de 2013, do Município de Guarapari - ES, com efeitos ex tunc. (TJES, Classe: Direta de Inconstitucionalidade, 100140005271, Relator: ADALTO DIAS TRISTÃO, Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, data de Julgamento: 12/02/2015, data da Publicação no Diário: 19/02/2015).
Inequívoco, pois, que o p. projeto de iniciativa do Vereador, objetiva criar obrigações para a Administração Municipal, avançando sobre competência reservada ao Chefe do Poder Executivo e violando o princípio da separação dos Poderes.
Doutro giro, o p. projeto por meio de seus arts. 1º e 2º dispõe acerca da regulamentação da administração de depósitos para armazenamento de mercadorias dos trabalhadores do comércio ambulante em regime de rateio, o que constitui atividade privada. Assim, a disposição em lei municipal sobre administração de armazenamento de mercadoria e guarda de carrinhos, triciclos e afins, ofende, ao nosso sentir, a repartição de competência estabelecida pela LOMRJ
A proposta determina, ainda, em seu art. 3º, que os depósitos com armazenamento de alimentos perecíveis só poderão funcionar mediante alvará da Vigilância Sanitária, sugerindo que depósitos destinados ao armazenamento de outros gêneros alimentícios estariam dispensados da obtenção do licenciamento sanitário, inovando, de forma imprópria, o ordenamento jurídico municipal, tendo em vista que o art. 12 da Lei Municipal nº 871, de 11 de junho de 1986, estabeleceu que todo e qualquer estabelecimento que, inclusive, armazene alimentos deverá possuir licenciamento sanitário.
Conclui-se, portanto, que, a despeito da inconstitucionalidade do PL apresentado, sua introdução no mundo jurídico afigura-se inconveniente, eis que trataria de revogar o diploma legal vigente, regulador da matéria de forma mais abrangente e precisa.
Assim, por todo o exposto, ao imiscuir-se em seara que não lhe é própria, ocorre uma violação expressa a preceitos e princípios corolários da separação entre os Poderes, estabelecidos no art. 2º da Constituição da República, e repetidos, com arrimo no princípio da simetria, nos arts. 7º e 39 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e da LOMRJ, respectivamente.
Pelas razões expostas, sou compelido a vetar integralmente o Projeto de Lei nº 330, de 2017, em função dos vícios de inconstitucionalidade que o maculam.
Aproveito o ensejo para reiterar a Vossa Excelência meus protestos de alta estima e distinta consideração.
Observações:
Publicado no DO nº 157, de 5 de novembro de 2018, pág. 3.
Despacho: