Dirijo-me a Vossas Excelências para encaminhar o presente Projeto de Lei Complementar, que "Institui a Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Rio de Janeiro.”, com o seguinte pronunciamento:
A legislação atual de uso e ocupação do solo da cidade do Rio de Janeiro foi estabelecida na década de 70 e necessita urgentemente de atualização. Naqueles anos, a visão do ambiente urbano desejável era completamente diferente daquilo que almejamos atualmente. As dinâmicas diárias da sociedade carioca evoluíram bastante e mudarão cada vez mais rápido com a introdução de novas tecnologias de comunicação e transporte.
Construída com um forte sabor modernista, a Lei de Uso e Ocupação do Solo vigente era baseada na visão da cidade como uma “máquina de morar”, onde a vida quotidiana seria desconstruída em “processos” repetitivos e contínuos, que poderiam ser ajustados e dispostos espacialmente como em uma linha de produção de uma fábrica automatizada. Junto à uma fé inabalável no papel do automóvel particular, a cidade projetada era compartimentada, zoneada em espaços estanques nos quais apenas uma atividade era permitida.
Brasília é o grande exemplo desse pensamento tão avesso à cidade tradicional. Cada setor tem seu uso e são acessados por veículos particulares em largas avenidas construídas fora da escala humana. Para os grandes arquitetos dessa época, a cidade tradicional, construída com a espontaneidade de séculos de vivências, era um estorvo ao progresso, uma relíquia de um passado improdutivo e selvagem, que merecia a destruição e a substituição pelo novo eldorado de concreto, vidro e aço. Um dos principais expoentes do urbanismo modernista, Le Corbusier, chegou a propor a retirada dos edifícios na área central de Paris e sua substituição por altíssimas torres isoladas.
Felizmente, essas idéias extremas não vingaram nas áreas já consolidadas das cidades, mas, especialmente no Rio, sua influência foi bastante sentida nas zonas de expansão e na renovação urbana das áreas de ocupação recente ou degradadas. O resultado foi uma cidade voltada para o automóvel, com grande concentração de zonas comerciais e de serviços e alta pendularidade no uso de sua rede de transportes.
Hoje, a dinâmica urbana contemporânea é mais fluida, mais diversificada e singularizada. Os cariocas querem experiências mais personalizadas, mais adaptadas aos seus gostos, mais voltadas para os espaços abertos, públicos ou semi-públicos, para o contato mais próximo com a natureza e com amigos e parentes. A legislação urbana vigente de uso e ocupação do solo atrapalha e não permite que muitos desses desejos se concretizem. A segregação dos usos força a criação de espaços residenciais sempre vazios, exceto nas horas de chegada e saída de seus moradores. Gera também espaços comerciais ou de serviço que apenas funcionam em horário comercial, com grandes prejuízos na alocação de recursos e de infraestruturas.
A cidade contemporânea deve ser múltipla, deve poder renovar suas dinâmicas sempre que necessário, deve fomentar a mistura dos usos e dos habitantes, de modo a criar vida em seus ambientes. Vida é segurança. Espaços ermos são inseguros por definição. A mistura de usos pode permitir que ruas residenciais tenham algum movimento em todas as horas do dia, sem gerar desconforto para seus moradores.
Do ponto de vista econômico, esta proposta permite simplificar o licenciamento das atividades, permitindo a legalização de vários estabelecimentos que hoje funcionam clandestinamente ou que têm suas capacidades reduzidas devido às exigências da legislação vigente. Os benefícios são muitos e rápidos: maior facilidade para abrir e gerenciar serviços e negócios pode aumentar sensivelmente a arrecadação municipal, elevar os índices de emprego e ainda distribuir mais adequadamente a demanda de passageiros e cargas pelos sistemas de transporte da cidade.
Mas essa simplificação nas regras e a permissão do convívio de usos e atividades diversos não prejudicará o bem-estar dos cidadãos. As atividades só serão permitidas em zonas residenciais caso não causem impactos à vizinhança ou caso tenham seus possíveis impactos efetivamente mitigados. Desse modo, foi eliminada a possibilidade de que o ruído, o fluxo ou a poluição gerada por essas atividades venha a causar incômodos aos moradores, uma das maiores preocupações relacionadas à proximidade entre residências e atividades comerciais. Ao contrário, a nova legislação estabelece um marco simples e fácil para identificar quando o poder público precisará intervir para assegurar a paz e a correta convivência entre os diversos usos.
Junto à revisão dos outros três códigos que compõem a legislação urbanística carioca – Código de Obras e Edificações, Lei de Parcelamento do Solo e Código de Licenciamento e Fiscalização, esta nova Lei de Uso e Ocupação do Solo certamente trará uma nova dinâmica para o ambiente urbano carioca. Zonas degradadas ou com desenvolvimento estacionado poderão se desenvolver rapidamente, e as novas atividades que surgem diariamente pelas mãos do povo empreendedor e dinâmico de nossa cidade terão acolhida rápida e simplificada na Prefeitura. Sem entraves para quem queira produzir e trabalhar, respeitando a vizinhança e o meio ambiente, pelo desenvolvimento do Rio de Janeiro.
Outrossim, solicito o arquivamento do Projeto de Lei Complementar nº 33, de 2013, que também trata da Lei de Uso e Ocupação do Solo, mas de uma forma mais complexa e endurecida, que dificulta a sua aplicação.
Diante do exposto, conto com a aprovação dessa eminente Casa à presente iniciativa, no interesse do Município.
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