Texto Parecer (clique aqui)
Da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos a Emenda nº 1 ao Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 23/2018 que “ALTERA A REDAÇÃO DO INCISO VII DO ART. 30 DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL E ACRESCENTA O § § 2º E 3º, RENUMERANDO O ATUAL PARÁGRAFO ÚNICO”.
Autores :Vereadores Jones Moura, Carlos Bolsonaro, Italo Ciba, Zico Bacana, Eliseu Kessler, Otoni de Paula, Leandro Lyra, Jair da Mendes Gomes, Val do Ceasa, Alexandre Isquierdo, Marcello Siciliano, Marcelo Arar, Welington Dias, Carlo Caiado, Vera Lins, Dr. Gilberto, Felipe Michel, Professor Adalmir, Willian Coelho, Dr. João Ricardo e Cláudio Castro.
Autor da Emenda: Vereador Wellington Dias
Relatora: Vereadora Teresa Bergher
(CONTRÁRIO)
Trata-se da Emenda nº 1 ao Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 23/2018, que acrescenta um § 4º ao art. 2º da proposta.
A inclusão objetiva, em resumo, garantir aos guardas municipais a opção pelo uso exclusivo dos equipamentos de menor potencial ofensivo, não sendo obrigatório ao guarda municipal o uso de arma de fogo.
A proposta recebeu parecer da Comissão Permanente de Justiça e Redação pela constitucionalidade.
II- VOTO DA RELATORA
Muito embora se reconheça a enorme importância do trabalho da nossa Guarda Municipal tanto no sentido da preservação do patrimônio, serviços, logradouros públicos e instalações municipais, quanto no exercício do importante poder-dever de proteger os usuários do patrimônio público municipal, sempre dentro da finalidade da corporação, no mérito, sob o enfoque da promoção dos direitos humanos, entendemos que o projeto exorbita os limites legais das competências impostas pela Constituição Federal àquela instituição, na media em que faculta à guarda municipal o uso de arma de fogo.
O STF já firmou, ao julgar procedente a ADPF nº 995, entendimento no sentido de reconhecer que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública sem, contudo, reconhecer-lhes a possibilidade do exercício de polícia ostensiva ou judiciária típicas de órgãos policiais. Não se pode confundir “poder de polícia”, conceito de direito administrativo previsto no CTN e definido pela doutrina como “atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público In Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Dir. Adm. 20 ed. São Paulo: Atlas,, 2015, 158.” com “poder policial”, típico dos órgãos policiais e que se distingue pela possibilidade de uso da força física para fazer valer a autoridade estatal. Nessa linha, os guardas municipais podem realizar patrulhamento preventivo da cidade, mas sempre vinculados à finalidade da corporação, sem que lhes seja autorizado atuar como verdadeira polícia para reprimir e investigar a criminalidade urbana ordinária.
Neste sentido, é oportuna a transcrição do seguinte trecho da Ementa do acórdão proferido nos autos do Habeas Corpus nº 830530 – SP (2023/0201198-8) que reflete o entendimento já cristalizado pela jurisprudência sobre o tema, senão vejamos: “5. O fato de as guardas municipais não haverem sido incluídas nos incisos do art. 144, caput, da CF não afasta a constatação de que elas exercem atividade de segurança pública. Isso, todavia, não significa que possam ter a mesma amplitude de atuação das polícias; 6. O Supremo Tribunal Federal, apesar de reconhecer em diversos julgados que as guardas municipais integram o Sistema Único de Segurança Pública e exercem atividade dessa natureza (...), nunca as equiparou por completo aos órgãos policiais para todos os fins; 7. (...) Para negar o pedido de concessão de aposentadoria especial aos integrantes das guardas municipais por equiparação às atividades de risco das polícias, afirmou-se que “a maior proximidade das atividades das guardas municipais com a área de segurança pública é inegável. No entanto, trata-se de uma atuação limitada, voltada à preservação do patrimônio municipal, e de caráter mais preventivo que repressivo”, compreensão retirada do plenário da corte no ARE n.1.215.727/SP (Tema de Repercussão Geral n. 1.057, DJe (29/8/2019)”.
Neste mesmo diapasão, a posição doutrinária sobre o tema faz coro com a jurisprudência das nossas Cortes Superiores no sentido do reconhecimento de as guardas municipais integrarem o Sistema Único de Segurança Pública e exercem atividade dessa natureza, ressalvado que não têm a mesma amplitude de atuação das polícias sendo importante trazer à colação a respeitada doutrina do Ministro Alexandre de Moraes para quem a Constituição Federal facultou aos Municípios a “constituição de guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei, sem, contudo, reconhecer-lhes a possibilidade de exercício de polícia ostensiva ou judiciária” (Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 39 ed. São Paulo: Atlas, 2023, p. 940). O professor Diógenes Gasparini, ao interpretar o dispositivo constitucional, afirma que “As guardas municipais só podem existir se destinadas à proteção de bens, serviços e instalações do Município. Não lhes cabem, portanto, os serviços de polícia ostensiva, de Polícia e de apuração das infrações penais. Aliás, essas competências foram essencialmente atribuídas à Polícia Militar e à Polícia Civil.” (in Gasparini, Diógenes. “As guardas municipais na Constituição de 1988”. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 29, n. 113, jan.-mar. 1992. p. 241).
Tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil, em contrapartida de exercerem a força pública e o monopólio estatal da violência, estão sujeitas a rígido controle correcional externo do Ministério Publico bem como do Poder Judiciário (Justiças Militar e Estadual). No entanto, as guardas municipais respondem, apenas administrativamente, ao comando dos prefeitos locais e de suas corregedorias internas.
Em um país como o Brasil que já carrega suas conhecidas mazelas culturais e estruturais, não é necessário muito esforço criativo para se imaginar o caos em potencial de se autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada somente ao comando local do prefeito e insubmissa a qualquer controle externo. Mesmo no modelo de policiamento sujeito a controle externo do Ministério Público e concentrado em apenas 26 estados e um Distrito Federal, já se encontram dificuldades de contenção e responsabilização por eventuais abusos na atividade policial, é fácil identificar o exponencial aumento de riscos e obstáculos à fiscalização caso se permita a organização de polícias locais nos 5.570 municípios brasileiros.
Por outro lado, é possível pensar no risco de guerras civis internas instrumentalizadas por meio de milícias locais, ou até em eventuais insurgências armadas de comandos municipais diante do poder estadual em virtude de divergências políticas entre as respectivas lideranças.
Há inúmeras cidades país afora, até mesmo de tamanho diminuto como é o caso de Campina Grande do Sul - PR, com apenas 40 mil habitantes - equipando as guardas municipais com fuzis, armas de alto poder letal. Importante destacar a existência de diversas matérias jornalísticas veiculadas na mídia sobre o tema alertando para os riscos de se armar as guardas municipais.
Assim sendo, a proposta de armar a Guarda Municipal, mesmo que de forma facultativa, não está alinhada com o entendimento do STF, tampouco com as diretrizes de uma efetiva política de direitos humanos.
Desta forma, o voto da Relatora é CONTRÁRIO à Emenda nº 1 ao Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 23/2018.
Sala das Comissões, 18 de março de 2024.
Vereadora Teresa Bergher
Relatora
III- CONCLUSÃO
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, em reunião realizada em 18 de março de 2024, aprovou o Parecer da Relatora, Vereadora Teresa Bergher, CONTRÁRIO à Emenda nº 1 ao Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 23/2018.
Sala das Comissões, 18 de março de 2024.
Vereadora Teresa Bergher
Presidente
Vereador Matheus Gabriel
Vogal