DESPACHO: A imprimir
RESPOSTA À QUESTÃO DE ORDEM
No decorrer da 30ª Sessão Extraordinária, realizada no pretérito dia 24 de junho ( quinta-feira ), o Senhor Vereador Tarcísio Motta levantou questão de ordem para que seja interpretado o Regimento Interno a fim de elucidar se o instrumento da ABSTENÇÃO no processo legislativo é caracterizado como voto ou não.
A dúvida maior na ponderação suscitada pelo nobre interpelante se refere à admissibilidade ou não da declaração de voto quando o Vereador se manifesta pela abstenção durante o processo deliberativo da votação de determinada matéria na pauta dos trabalhos.
I – Da Disformidade Semântica de se Considerar ABSTENÇÃO como Voto no Processo Legislativo
É certo que semanticamente o vocábulo abstenção revela a negação de algo que se tem direito. Trata-se de renúncia ou desistência de uma faculdade. Nota-se que no contexto do escrutínio, quem se abstém abdica, deixa de exercer o poder de decidir por meio do voto.
No processo legislativo, a abstenção compreende uma recusa voluntária do parlamentar de participar do ato de votação, porquanto não é computado como voto a favor ou contra, mas apenas como quórum de presença no Plenário para a votação da matéria.
Na verdade, o procedimento de abster-se formalmente no processo deliberativo é visto como participação passiva no processo de votação, que contém a particularidade da abstenção presencial, ou seja, o parlamentar presente ao Plenário expressa sua atitude abstencionista, diferentemente da abstenção não-presencial, que se reporta à ausência do parlamentar no recinto da sessão no momento da votação.
Então, em síntese, não resta dúvida que, sob o prisma semântico, a concatenação da abstenção como instrumento de voto ofende e desvirtua o seu significado linguístico.
II – Da Interpretação da Abstenção ao Lume do Regimento Interno da Câmara Municipal
A abstenção, só mais recentemente, na Legislatura próxima passada, foi inserta no processo deliberativo desta Casa de Leis, por meio da Resolução Plenária nº 1.405, de 12 de dezembro de 2017. Vejamos o diploma estatutário:
“Art. 273. O processo nominal de votação consiste na apuração dos votos favoráveis, contrários e abstenções, (...).
...............................................................................
§3º Para iniciar o processo de votação nominal pelo sistema eletrônico, o Presidente declarará abertos os postos de votação e solicitará aos Vereadores que registrem o voto sim, não ou abstenção, conforme sejam favoráveis, contrários ou desejem abster-se de votar a matéria.”
Embora a dicção regimental, ora transcrita, deixe hesitação quanto à classificação da abstenção como voto ou a simples manifestação de isenção, é bem verdade que o texto in fine do §3º do art. 273 conduz ao entendimento que abstenção significa deixar de votar ( manifestação passiva ) e não como voto alternativo ( manifestação ativa ).
Para melhor clareza da exegese, empregada neste caso, é de bom alvitre hermenêutico a interpretação sistemática, aos olhos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que assim se expressa:
“Art. 180. ( ... ).
...............................................................................
§2º O Deputado poderá escusar-se de tomar parte na votação, registrando simplesmente abstenção.”
Por essa redação explícita do diploma interno da Câmara dos Deputados, a análise deflui incontestavelmente no sentido que a abstenção NÃO é voto, porquanto ao proceder dessa forma o parlamentar deixa de participar do processo deliberativo de votação e apenas indica o seu desiderato de omissão.
Em prosseguimento do comentário em tela, façamos a reprodução do art. 279 do Regimento Interno da Câmara Municipal:
“Art. 279. Declaração de voto é o pronunciamento do Vereador sobre os motivos que o levaram a manifestar-se contrário ou favoravelmente à matéria votada.”
Percebe-se que na alteração regimental dada pela Resolução Plenária nº 1.405/2017 não houve adequação do novel instrumento de abstenção quanto à possibilidade do uso da palavra em declaração de voto ou em manifestação do ato de se abster do sufrágio. Em sendo assim, evidencia-se a inoportunidade, a impertinência da concessão da palavra aos Senhores Vereadores para uso em declaração de voto, quando na respectiva votação registra-se abstenção no painel.
Infere-se, portanto, que no decurso daquela Sessão Plenária, conduzida pelo Senhor Vereador Marcio Santos, a Consultoria da Mesa orientou escorreitamente a Presidência dos trabalhos, à luz da letra regimental, com a inexorável afirmação que ABSTENÇÃO não é voto.
III- Da Pertinência Política da Ponderação da Questão de Ordem do Vereador Tarcísio Motta
Em que pese o presente arrazoado, que revela a inconveniência semântica e do processo legislativo de se admitir o instrumento da abstenção como voto, é interessante que o exame interpretativo não se esgote apenas com essas considerações técnico-regimental e de estudo do significado do vocábulo.
Naquela Sessão Extraordinária, o Senhor Vereador Tarcísio Motta com enorme percepção política invocou o direito ao Vereador de explicar a motivação da abstenção, como instrumento de posicionamento, de manifestação política, cuja exposição foi compartilhada pelos Senhores Vereadores Rosa Fernandes, Pedro Duarte, Jones Moura e Átila A. Nunes.
Com esse sentido, a Presidência desta Casa de Leis também acompanha esse raciocínio. Não pode o Vereador que registrar seu posicionamento de abstenção ficar impossibilitado de justificar sua atitude abstencionista. Deve, se assim desejar, poder explicar, argumentar, fundamentar a sua manifestação de abster-se de votar.
Certamente, não poderá fazê-lo por declaração de voto, porque, como vimos, a ABSTENÇÃO não é voto, porém é salutar que possa usar da palavra para expender a sua declaração de abstenção, ou em outras palavras, justificar a razão que o levou a eximir-se da votação.
IV – Da Conclusão
Por todo o exposto nessa breve consideração, a Presidência desta Casa de Leis decide acolher a reflexão proposta pelo Senhor Vereador Tarcísio Motta e para isso faz editar o Precedente Regimental nº 74 com o objetivo de inserir como regramento positivo a solicitação de declaração de abstenção no curso pós-deliberativo do processo legislativo das matérias da pauta da Ordem do Dia.
.
Em 28/06/2021
CARLO CAIADO - Presidente
|