DESPACHO: A imprimir
DECISÃO DO PRESIDENTE
Mais uma vez, a digna Vereadora Luciana Boiteux discorda do despacho da Presidência desta Casa de Leis, que procedeu ao APENSAMENTO da proposta legislativa de sua autoria em razão do assunto estar previsto em matéria já em tramitação. Dessa vez, trata-se do Projeto de Lei nº 2209/2023, da lavra de S. Exa., o qual foi determinada a sua juntada ao Projeto de Lei nº 450/2021, de autoria da Vereadora Monica Benicio.
Na praxe do processo legislativo desta Câmara Municipal, as matérias que abordam o mesmo assunto devem ser regimentalmente anexadas (sic), prevalecendo o princípio maior da cronologia da apresentação delas. Assim, o projeto legislativo mais recente fica acostado à propositura primígena. Mesmo que as proposições não estejam apensadas, por força do art. 268 do diploma interno, quando uma delas for aprovada, a outra ou as demais que tratem de temática substantiva equivalente são consideradas prejudicadas e remetidas ao arquivo.
Essa disposição estatutária vem ao encontro de diretriz normativa emanada pela regulamentação do parágrafo único do art. 59 da Constituição da República, com simetria no § 1º do art. 67 da Lei Orgânica do Município, a respeito da elaboração, redação e alteração das leis, que não permite que no mundo jurídico o mesmo assunto esteja contemplado em leis distintas sem expressa vinculação. Essa regulamentação e disciplina normativa constam em leis complementares federal e municipal, que mais adiante, nesta explanação, serão feitas as considerações necessárias ao cumprimento dessas leis complementares no âmbito desta Edilidade.
Antes, cabe remeter-se ao arrazoado da peça recursal de contra-argumentação da Senhora Vereadora Luciana Boiteux ao despacho da Presidência que determinou o apensamento da matéria de sua autoria ao PL nº 450/2021.
A nobre recorrente reconhece que se tratam de matérias similares quanto à temática normativa, mas entende que elas possuem âmbito de aplicação distinto e na busca de fundamento pra sua dissensão chega a formular premissa despojada de arrimo legal e dá desatenção da boa técnica de elaboração legiferante.
Vejamos pelas próprias palavras da nobre querelante da altercação em comento o desacerto da sua assertiva, quando diz “entendo que sequer se pode aplicar o princípio legislativo da cronologia da apresentação das proposições (...) o campo normativo do Projeto de Lei nº 2209/2023 de forma alguma está contido na seara substantiva do Projeto de Lei nº 450/2021, (...) permitindo, ao nosso ver, que as tramitações ocorram de forma independente e alheias entre si, razão pela qual, vale frisar, em caso de aprovação de qualquer uma das proposições citadas, não haverá razão formal para declarar prejudicado o projeto”.
Prosseguindo em nossa análise, para que não paire nenhuma hesitação quanto á correção do despacho da Presidência desta Casa de Leis, publicado no DCM do pretérito dia 4 de julho, que procedeu o apensamento do PL nº 2209/2023 ao PL nº 450/2021, a seguir, buscar-se-á nessa breve dissertação explicar tecnicamente a razão da determinação da juntada daquelas proposições.
Como vimos, essa questão se relaciona ao mandamento constitucional da sua regulamentação por lei complementar sobre a técnica legislativa de elaboração, redação e alteração das leis. Por simetria, no âmbito do Município aplica-se a Lei Complementar nº 48, de 5 de dezembro de 2000, alterada pela Lei Complementar nº 51, de 28 de agosto de 2001. Para a transcrição da orientação legal, reprodurzir-se-ão aos dispositivos da Lei Complementar Federal nº 95, de 25 de fevereiro de 1998, na verdade, refere-se à lei de normatividade nacional de cumprimento obrigatório por todas as casas legislativas do País, portanto, para efeito da uniformidade da elaboração da redação das leis:
Lei Complementar Federal nº 95, de 1998
“Art. 7o O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;
...............................................................................
IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.”
Feito isso, reportemo-nos a cada uma das proposições desse estudo para que se extraiam os respectivos objetos normativos e campos de aplicação do PL nº 450/2021 e do PL nº 2209/2023.
Em relação ao objeto normativo, qual seja, a finalidade substantiva do que se pretende legislar, verifica-se que ambos os projetos legislativos contêm o mesmo objeto. As matérias convergem para um único objetivo, o mesmo mens legislatoris, isto é, assegurar reserva de vagas de trabalho para permitir empregabilidade formal de pessoas travestis e transexuais, a fim de combater o preconceito e discriminação contra essa parcela da população.
Por sua vez, quanto ao campo de aplicação, observa-se que a norma pretendida no PL nº 450/2021 recai sobre as empresas privadas ou públicas que usufruam di instrumento de instrumento de incentivo fiscal instituído pelo Município e no PL 2209/2023 o objeto normativo se aplica também às empresas públicas e privadas, mas de forma geral.
Ora, por conclusão, à luz do art. 7º, inciso I, da Lei Complementar nº 95, de 1998, aqui transcrita, as duas proposições em tela possuem idênticos objetos e campos de aplicação, visto que o exame das matérias deve ser realizado exclusivamente pela redação normativa do primeiro artigo de cada uma delas. Em sendo assim, é visível que a Presidência desta Casa de Leis procedeu de forma escorreita, em cumprimento à orientação daquela Lei Complementar, determinando o apensamento do PL nº 2209/2023 ao PL 450/2021, conforme consta do item 5 do Precedente Regimental nº 27, de 2005.
De outro modo, esvai-se o argumento da nobre reclamante, que, como vimos na reprodução de excerto de sua contestação, afirma incorretamente que as matérias em tela devem tramitar de forma independente alheia entre si. Não é factual essa afirmação, porquanto os incisos I e IV do art. 7º da Lei Complementar nº 95, de 1998, determinam que cada lei deve versar sobre um único objeto e o mesmo assunto não pode ser disciplinado por mais de uma lei, à exceção das matérias de codificação ou quando houver expressa remissão à lei existente, o que não é o caso.
Por fim, cabe ainda assinalar que, na análise comparativa do art. 1º de cada uma das proposições legislativas, para identificação do respectivo campo de aplicação, se verifica a diferença que consta da redação normativa do PL nº 450/2021, diga-se com perfeição constitucional, aplicando-se às empresas que usufruam de incentivo fiscal concedido pelo Município. No entanto, essa diferença normativa não constitui outro campo de aplicação, mas tão somente caracteriza delimitação da extensão do campo normativo.
Aliás, por oportuno, vale dizer que no PL nº 2209/2023 inexiste essa previsão, o que faz a pretensão legislativa incorrer em manifesta inconstitucionalidade, porque ao se referir extensivamente a qualquer empresa, independentemente da existência de gozo de incentivo fiscal, incide na mácula de afrontar o disposto no art. 22, inciso I, da Carta Magna (direito do trabalho), cujo assunto compete privativamente à União legislar.
A despeito dos comentários anteriores, recomenda-se à eminente autora do PL nº 2209/2023 que reapresente essa proposta com base no conteúdo normativo dos seus arts. 2º, 3º e 4º, porque se for feito dessa forma, não haverá concomitância em relação ao campo de aplicação normativa do PL nº 450/2021, pois estará relacionado à reserva de cotas de vagas em concurso público para ocupação por pessoas travestis e transexuais na administração pública direta e indireta, deixando de colidir com a diretriz preceituada pela Lei Complementar nº 95, de 1998, e, por simetria, na Lei Complementar nº 48, de 2000, com redação dada pela Lei Complementar nº 51, de 2001( estas do Município).
Isto posto, diante da presente explanação técnica a Presidência DENEGA provimento ao recurso apresentado pela Senhora Vereadora Luciana Boiteux.
Imprima-se e encaminhe-se à douta Comissão de Justiça e Redação para parecer ao recurso em tela, nos termos do art. 289, do Regimento Interno.
Gabinete da Presidência, 1º de agosto de 2023
Vereador CARLO CAIADO
Presidente .
Em 01/08/2023
CARLO CAIADO - Presidente
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